A História da constante π, a sua influência nas sociedades humanas e o seu cálculo.
Chama-se civilização (
do Latim civitas "cidade"
) a qualquer sociedade complexa que pode ser caracterizada pela vida em cidades, estratificação social, sistemas simbólicos de comunicação como a escrita e um sentimento de separação e domínio do meio ambiente à sua volta. A palavra surgiu na França do século XVIII pela mão de Victor Riqueti, marquês de Mirabeau e remete para a procura ativa do progresso característica do Iluminismo. A Escrita, cujo exemplo mais antigo conhecido vem da Suméria, está intimamente ligada ao surgimento das primeiras civilizações, assim como a Agricultura (ainda que uma das primeiras civilizações, que durou cerca de mil anos, surgida na América do Sul na cidade de Caral, dependia de recursos marítimos e trocas comerciais
).
Uma das principais características das primeiras civilizações foi a construção de grandes monumentos, parte dos esforços para dominar a Natureza e o mundo espiritual. E instrumental para a realização dessas grandiosas obras foi o desenvolvimento da Matemática e a identificação de padrões e constantes numéricas na Natureza. Uma dessas primeiras constantes identificadas foi a razão (
no sentido de divisão
) entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro para qualquer círculo, independentemente do seu tamanho. Civilizações diferentes ao longo da História procuraram determinar este valor. Os antigos Babilónios, na Mesopotâmia, determinaram que este valor era 22/8 ou 3,125 (
como referido numa tábua de argila datada de entre 1900 e 1600 AEC -
Antes da Era Corrente
); os antigos Egípcios que era 256/81 ou aproximadamente 3,1604…; os antigos Gregos, através de Arquimedes (de que se falou nos artigos Coroa de Vitrúvio e Gado de Arquimedes
), que era um valor entre 3 + 10/71 e 3 + 1/7, usando um método em que ia colocando o círculo entre polígonos com progressivamente mais lados; o arquiteto romano Vitrúvio (de que se falou nos artigos Homem de Vitrúvio e Coroa de Vitrúvio
) em 15 AEC usou o valor 25/8 (ou 3,125
); o matemático chinês Tsu Ch’ung Chih, no ano 500, calculou que era 3,1415926. Mas o primeiro método rigoroso para determinar este valor foi dado pelo matemático indiano Mādhava, em 1350, de que este valor a dividir por 4 era 1 – 1/3 + 1/5 – 1/7 + 1/9 -1/11 + …, um método que foi depois redescoberto pelo Matemático alemão Leibniz em 1673, a fórmula de Gregory-Leibniz (James Gregory foi um matemático escocês que tinha, alguns anos antes de Leibniz, trabalhado nesta fórmula
). Conta-se que, após (re)descobrir este método, Leibniz ficou tão maravilhado que desistiu da profissão de advogado e diplomata para se dedicar a tempo inteiro à Matemática.
Vários nomes e valores para esta constante foram sendo dados ao longo da História. Mas a este valor passou a chamar-se Pi π (
do Antigo Grego περιφέρεια «periferia»
) a partir do século XVIII. O primeiro uso registado de π é na expressão matemática “δ.π” do matemático inglês Oughtred em 1608 para expressar a razão entre a periferia e o diâmetro de um círculo. Mas o uso da letra π individualmente para expressar essa constante matemática foi em 1706 pelo matemático galês William Jones. Mas só em 1727 é que o símbolo π passou a ser aceite e usado quando o grande matemático suíço Euler (de que se falou anteriormente no artigo Pontes e Grafos
) usou o símbolo π, ainda que Euler tenha inicialmente usado o símbolo para representar a razão entre a periferia e o raio do círculo (a que modernamente se chama τ Tau
) e o uso moderno de π como a razão entre a periferia e o diâmetro do círculo que é o valor irracional (
falou-se nos números naturais, inteiros, racionais e irracionais e reais no artigo Naturalmente Complexo
) com infinitas casas decimais 3,1415926535897932384626433…
Para a maioria dos usos práticos de π, apenas algumas casas decimais são necessárias. A maioria das pessoas aprendeu o valor 3,14 ou frações como 22/7 (
aproximadamente 3,142857142857...
) ou 355/113 (aproximadamente 3,14159292035...
). Mas Jörg Arndt e Christoph Haenel, em 2001, calcularam que apenas 39 casas decimais são necessárias para calcular a circunferência do Universo observável com uma precisão de um átomo de Hidrogénio. Ainda assim, a busca por mais casas decimais de π mantém-se (a 11 de Novembro de 2016, utilizando um supercomputador durante 105 dias, foi calculado um recorde de 22 biliões, 459 mil milhões, 157 milhões, 718 mil e 361 dígitos de π. Ver o artigo Termos ordinais para ver como são lidos em Português estes grandes números
). Para além do prazer intelectual e emocional de estabelecer recordes (mesmo que sem utilidade prática
), estes cálculos das casas decimais de π permitem testar as capacidades de supercomputadores, de ferramentas matemáticas de análise numérica (como algoritmos de multiplicação de elevada precisão de números enormes
) ou avaliar aleatoriedade dos dígitos de π.
No século XVIII, o matemático suíço Lambert provou que π é um número irracional (não
) logo tem infinitas casas decimais sem que haja um padrão regular de dígitos repetidos em conjunto e, em 1882, o matemático alemão Lindemann provou que, além de irracional, π é também um número transcendente, mostrando assim a impossibilidade (pode ser escrito com precisão como a divisão de dois números inteiros
usando apenas uma régua não graduada e um compasso
) do antigo paradoxo grego da Quadratura do Círculo, em que se procurava desenhar um quadrado com a mesma área de um círculo
Algumas fórmulas para determinar casas decimais de π, como a já citada fórmula de Gregory-Leibniz, existem mas o seu grau de sucesso é variável em termos do tempo de cálculo para cada dígito novo. Após o cálculo de 500 mil termos, produz apenas 5 dígitos corretos de π e está correto com uma precisão de 0,2. Outra fórmula, devida ao matemático indiano Nilakantha, está correta com uma precisão de 0,002 após o cálculo dos mesmos primeiros 500 mil termos.
Um dos métodos mais curiosos para calcular o valor de π é dada pela célebre experiência da Agulha de Buffon. Georges-Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707–1788) foi um naturalista, matemático e cosmólogo cujos 36 volumes da sua enciclopédia História Natural (
Histoire NaturWidgetselle
) influenciaram outros famosos naturalistas como Lamarck e Georges Cuvier. O seu famoso problema da agulha foi proposto 1733 (Buffon 1733, pp. 43-45
) e uma solução proposta pelo mesmo em 1777. Supondo que há uma infinita quantidade de linhas paralelas e que sobre elas é lançada uma agulha de comprimento igual ou inferior à distância entre as linhas, a probabilidade de que a agulha cruzará uma das linhas é dada por P = 2.L/π.D, onde D é a distância entre duas linhas adjacentes e L é o comprimento da agulha. Resolvendo em ordem a π obtemos que π = P.D/2.L, onde P é o número de agulhas que cruzam uma linha a dividir pelo total de linhas. A Agulha de Buffon faz parte do conjunto de métodos estatísticos conhecidos globalmente como Métodos de Monte Carlo. Escreveu também sobre o conceito de “luta pela existência” e desenvolveu um sistema de hereditariedade semelhante ao de Darwin.