A Guerra das Laranjas, origem de “vai p’ró Maneta”, quem partiu de “armas e bagagens”, a origem de “guerrilha”, porque o Haiti e a República Dominicana dividem a mesma ilha mas falam línguas diferentes (Francês e Espanhol), a Legião Portuguesa que invadiu a Rússia, tudo ligado à História de Portugal e a um chapéu triangular.
A laranja esteve presente em momentos importantes da História de Portugal, tendo tido um decisivo papel nos Descobrimentos Portugueses dos séculos 15 e 16, como visto no artigo Portugal: laranja mecânica. A tal ponto que, em muitas línguas, a palavra para a espécie laranja-doce (
Citrus × sinensis)
é alguma variação da palavra portugal. A outra espécie de laranja, a laranja-amarga, é a Citrus × aurantium.
Um outro decisivo momento na História portuguesa (
e também brasileira
) liga a laranja à História de Portugal e à vida de um homem italiano mas nascido francês que foi Imperador da França por 10 anos e que teve profundo impacto na história europeia (e mundial
). A sua influência ainda se sente hoje, desde o sistema métrico que usamos às leis que nos regem ao teorema matemático que tem o seu nome, à Pedra de Roseta que decifrou os hieróglifos egípcios, às repúblicas que surgiram depois dele. E sente-se também na evolução da língua portuguesa: como visto no artigo Palavras coloridas, foi depois do impacto dele que mudámos o nome da cor Marrom para Castanho (como é ainda
no Português do Brasil e nas outras línguas latinas como o Romeno de que se falou em Quinta flor do Lácio
), também surgiram as expressões “vai para o Maneta!” (com o significado de dar cabo de alguém ou de alguma coisa; destruir
) ou ainda partir de “armas e bagagens” (com o significado de levar coisas em excesso
).
Ele nasceu Napoleone na Casa Buonaparte em Ajacciona, ilha de Córsega, um ano depois desta ter sido cedida à França (
como garantia do pagamento de dívidas
) mas mudou depois o nome para o mais francês Napoléon Bonaparte. Teve de uma fulgurante carreira militar e coroou-se Imperador em 1804. Depois de derrotar por 4 vezes os exércitos combinados do resto da Europa e ter assinado o Tratado de Tilsit (1807
), Napoleão tinha ainda o poderio naval da Inglaterra para derrotar e as dinastias reais de Espanha (Boubon
) e de Portugal (Bragança
) para derrubar.
Portugal tinha poucos anos antes estado em conflito com a França revolucionária. Quando o rei francês Luís XVI e a rainha Maria Antonieta foram guilhotinados em 1793 durante a Revolução Francesa, a Espanha declarou Guerra à França, inserida na guerra da Primeira Coligação em que as monarquias europeias se juntaram para derrubar a Revolução. Portugal não participou diretamente no conflito mas enviou uma divisão de 5 mil soldados para apoiar Espanha (o
Exército Auxiliar à Coroa de Espanha
). Após algumas derrotas, a França reorganizou-se e derrotou todos os seus inimigos. A Espanha teve de ceder parte da ilha Hispaniola (de que se falou no artigo A vida num sopro
) à França. Assim nasceram os dois países que ocupam a ilha, em que um que fala francês (oHaiti
) e outro que fala espanhol (aRepública Dominicana
).
Mas, quando a Espanha fez a paz com a França (1795
), Portugal não fez parte das negociações, permanecendo em estado de guerra com a França. Esta exigiu, como condições para a paz, que Portugal abandonasse a aliança com a Inglaterra, fechasse os portos portugueses aos navios ingleses, pagasse indemnizações de guerra e cedesse parte do norte do Brasil (
o estado do
Amapá
) para ampliar a Guiana Francesa. O Príncipe Regente D. João ficou indeciso pois, por um lado, tinha a Marinha Inglesa a proteger a sua ligação às colónias e, por outro, a ameaça de guerra com a França (e com a Espanha, que se tinha tornado sua aliada
) e a invasão (as tropas espanholas já se juntavam perto da fronteira portuguesa
). Em 1801, a guerra foi declarada e as tropas espanholas invadiram facilmente Portugal. Olivença foi ocupada e cedida a Espanha no rápido acordo de paz que se seguiu. Portugal ficou estropiado desde então, como visto no artigo Olivença: Portugal esquecido. Após a vitória, o comandante espanhol Manuel de Godoy colheu algumas laranjas num campo nos arredores de Elvas, que enviou à rainha espanhola como sinal de vitória. Novamente esta fruta esteve presente num momento importante da História de Portugal e o conflito ficou conhecido como a Guerra das Laranjas.
Cinco anos depois, em 1806, Napoleão decretou o Bloqueio Continental (tornado ainda mais rigoroso em 1807
) como resposta ao bloqueio naval que a Inglaterra exercia sobre os portos franceses e após a conquista de Gibraltar ter falhado. Este decreto proibia o acesso aos portos europeus de navios de mercadorias provenientes da Inglaterra ou das suas colónias (proibição que afetou mais a França e os seus aliados do que os
) e a apreensão de todas as pessoas inglesas e as suas mercadorias. Os países europeus cederam à exigências francesas incluindo Portugal e a Rússia. Mas a costa russa era enorme e muito contrabando era feito sem que as autoridades o impedissem (ingleses
o que justificou a desastrosa invasão da Rússia em 1812
). E o príncipe regente de Portugal D. João (a sua mãe, era a rainha D. Maria I que, desde 1796, mostrava sinais de deterioração mental, agravada pela morte do marido e do filho mais velho
) após a desastrosa Guerra das Laranjas, acedeu em fechar os portos portugueses ao comércio com a Inglaterra mas não prendeu os ingleses residentes em Portugal nem lhes confiscou os bens. Napoleão tinha assim um casus belli para declarar guerra a Portugal e um pretexto para mandar entrar em território espanhol o seu exército.
O General francês Junot fui escolhido para liderar o exército francês na invasão de Portugal porque tinha sido diplomata em Lisboa em 1805 e conhecia um pouco mais do país. Em Novembro de 1807, entrou em Espanha pela cidade fronteiriça de Irun com um exército de 25 mil homens e dirigiu-se para Portugal. A coroa portuguesa, não tendo meios de defesa, reuniram os tesouros da coroa e, embarcando nos navios da Marinha Portuguesa, refugiaram-se no Brasil. Quando Junot entrou em Lisboa, já a família real tinha partido. Com ele tinham vindo vários generais, um dos quais o General Louis-Henri Loison (
1771-1816
). Loison serviu Napoleão em várias campanhas na Europa, tendo ganhado a reputação de bom líder militar mas cruel e tendo feito uma fortuna pessoal pilhando e destruindo. Em Fevereiro de 1806, estando a descansar em Veneza, a explosão de uma arma de fogo durante um caçada levou a que o seu braço esquerdo ficasse tão mutilado que teve de ser amputado. Mas recuperou a tempo de integrar a invasão de Portugal. Em Portugal, conquistou e ocupou Almeida, no distrito da Guarda e dirigiu-se para a Guarda. A cidade resistiu às investidas francesas e foi depois parcialmente pilhada e destruída pelas tropas de Loison. Dirigiu-se então a Elvas, onde as suas tropas derrotaram uma guarnição de tropas portuguesas e espanholas (nessa altura, as tropas francesas tinham já traído a sua aliada Espanha e as tropas espanholas lutavam ao lado das portuguesas
) e pilharam a cidade e massacraram todos os seus habitantes. A crueldade de Loison ficou registada na expressão portuguesa “vai para o Maneta” com o sentido de desejar mal a alguém ou a alguma coisa.
Após a conquista de Portugal, o exército português foi dissolvido e os seus melhores soldados integrados na Legião Portuguesa. Esta era composta por 9 000 soldados portugueses nomeadamente da Legião de Elite Ligeira. Criada por Napoleão, a Legião Portuguesa partiu para Salamanca em Abril 1808, atravessando a Espanha em direção à França. Durante o trajeto, metade dos legionários desertou e regressou a Portugal para integrar a Resistência Portuguesa contra a ocupação francesa. Ao serviço de Napoleão, a Legião Portuguesa de 4 500 soldados combateu na Alemanha, Áustria e Rússia, sofrendo pesadas baixas. Estiveram nas batalhas de Wagram (
1809
), Smolensk (1812
), Vitebsk (1812
) e Borodino (Moscovo
). A Legião Portuguesa era bem considerada por Napoleão, que a chamava de “Legião Negra”. Após a invasão da Rússia, apenas cerca de 1000 soldados da Legião sobreviveram e regressaram a Portugal.
As tropas francesas, mais bem organizadas do que as portuguesas e as espanholas, não enfrentavam apenas o seu (
mais fraco
) poderio militar ou o exército inglês. Após a total ocupação de Portugal, tendo Lisboa e o Porto sido conquistadas e ocupadas, Junot instalou-se em Lisboa, foi nomeado Governador de Portugal e foi-lhe dado o título de Duque de Abrantes. Mas a população civil (e o mau estado das estradas do país
) sabotaram os planos franceses e todos os seus movimentos militares eram permanentemente assediados por pequenos atos de destruição e incómodo. A “pequena guerra” que o povo se uniu para fazer frente à invasão francesa, unindo-se em pequenos e independentes grupos a encetar uma luta irregular contra forças regulares mais numerosas ficou conhecida como “guerrilha” em Português (e "guerrilla" em Espanhol
) e integrou o vocabulário de várias línguas desde então.
Mas o poder das tropas francesas teria de ser definitivamente derrotado por um exército regular e bem armado e organizado. Quando a força expedicionária britânica, liderada pelo general Arthur Wellesley (
futuro Duque de Wellington
) desembarcou, Junot foi derrotado na Batalha do Vimeiro a 21 de Agosto de 1808, tendo ficado isolado do contacto com a França. Somente a assinatura da Convenção de Sintra permitiu-lhe evitar a captura, levando, no entanto, com ele “as armas e bagagens” (assim referido no próprio texto da convenção
) e a pilhagem que o exército francês conseguiu reunir. A forma final deste acordo permitiu que os franceses levassem consigo não só as suas armas e bagagens mas também uma quantidade indeterminada, mas certamente muito grande, de bens saqueados em Portugal. Com este acordo, os franceses ganharam tempo e voltariam a invadir Portugal um ano mais tarde (houve três invasões francesas: esta Primeira (1807), a Segunda (1808) e a Terceira (1810
).
O Teorema de Napoleão é um teorema matemático relacionado com Geometria que afirma que, se se formarem triângulos equiláteros nos lados de um triângulo com qualquer forma (
equilátero, isósceles ou escaleno
), sejam todos no interior ou todos no exterior, os ortocentros desses triângulos equiláteros formam um triângulo igualmente equilátero. Esse triângulo recebe o nome Triângulo de Napoleão. Apesar de Napoleão ter bastante interesse em Matemática, há dúvidas de que terá realmente ele a formulá-lo ou se apenas foi a ele dedicado.